sábado, 14 de março de 2009

A Ciência e o TAO



Tao 道 - Caminho da espontaneidade
Na sociedade ocidental, onde tudo é meticulosamente planejado e articulado, onde ficou nossa espontaneidade? Afinal, o que deseja nos dizer essa escola milenar de pensamento, que tanto iluminou o Oriente, e que aos poucos vem angariando adeptos fervorosos no Ocidente, inspirando filósofos e teólogos?
O Tao é identificado como o Absoluto, que por divisão, gerou o Yin e o Yang, os opostos, e ao mesmo tempo complementares, que formam todas as coisas que existem no Universo.
À semelhança do Hinduísmo, e do Budismo, o Taoísmo se interessa pela sabedoria intuitiva, e não pelo conhecimento racional. É um caminho de libertação do mundo, compreendendo e respeitando a profunda sabedoria que guiou a espécie até aqui.
Então, como foi que chegamos a tão intenso desequilibrio com o Tao? Onde foi que o Ocidente se perdeu? Haverá meio de retornar a esse equilibrio?
Somente a união entre Religião, Arte, Filosofia e Ciência num mesmo ideal garantirá o equilibrio cósmico. Portanto, os quatro pilares do conhecimento humano, que separados geraram desarmonia, juntos mostrarão o caminho da harmonia. Esse é o Caminho da Síntese. Comecemos por analisar a Ciência.
Na Medicina tradicional Chinesa, toda doença é sinal de desequilibrio entre o Yin e o Yang. O equilíbrio do corpo é mantido através do fluxo equilibrado do Qi (ch´i) dentro dos meridianos. E os pontos de Acupuntura servem para tratar estes desequilíbrios. Também são utilizadas técnicas de meditação (Tai Chi Chuan, Liang Gong, Chi Kun), e massagem (Tui Na, Do in) como fonte de terapia, e a fitoterapia ainda é o principal recurso de tratamento das doenças mais comuns na China. A Medicina curativa na China é considerada a falência da Medicina Preventiva, uma derrota do médico.
Enfim, Fitoterapia, dietoterapia, meditação e Acupuntura são os principais recursos utilizados pela sociedade chinesa há milhares de anos, e ao contrário do que poderíamos esperar, ela está cada dia mais numerosa e influente.
Então, se tal conhecimento permitiu a sobrevivência e a manutenção desta sociedade, onde o conhecimento Ocidental chegou a bem menos que 70 anos, o que nos pode ensinar esta cultura fabulosa? Por que nos desenvolvemos em pólo tão oposto? Estaríamos aí também confirmando a teoria do Yin e Yang?
Vejamos o que ocorreu conosco...
Até pouco tempo atrás, o conhecimento humano era unificado e integrado à vida prática. Arte, ciência, filosofia e religião eram os pilares de um conhecimento único, confundindo-se, misturando-se, sem cisões, ou limites rígidos e bem definidos. Basta estudarmos algumas culturas antigas, para descobrirmos que índios, hindus e até mesmo os orientais tinham uma visão mais ampla da vida... para eles tudo era interdependente, como uma rede de relações. Até aí, tudo igual.
E então, a partir do Iluminismo, a ciência deixou gradativamente de ser arte, e tb filosofia, e principalmente, religião. O conhecimento tornou-se fragmentado (Descartes).
A Medicina, considerada a Arte de curar, Sacerdócio de Abnegação e Caridade, rompeu bruscamente com a Sabedoria Antiga, dando início a uma era de experimentação científica e tecnológica, relegando ao descaso tudo que já se havia falado e praticado. Olha-se agora para um corpo doente, buscando culpados e soluções rápidas e fáceis para eles. Primeiro, os Miasmas, depois as bactérias, fungos, vírus, agentes externos. Agora, a genética determinista e irremediável... Interação de Genética, Meio e Sistema imunológico formam a teoria de adoecimento mais aceita atualmente. Surge então, a Indústria Farmacêutica, poderosa, milionária, capaz de convencer a todos que para qualquer coisa há uma pílula milagrosa, que curará sem grandes dificuldades e sem exigir grandes sacrifícios. Fácil, cômodo, banal.
A Medicina passou então a cuidar da doença, e não do doente. O médico, que antes representava papel de profundo respeito e confiança, passou a ser visto como frio, calculista, e até cruel... Incapaz de sequer ouvir o paciente, com tempo reduzido ao insuficiente para sua consulta, irritado com o excesso de trabalho, e má remuneração, destruiu voluntaria ou involuntariamente a sagrada relação médico-paciente. E a Arte, a Filosofia, a Religião? A grande maioria dos médicos sequer tem a coragem de abordar tais assuntos, e se vê constrangida ao falar de fé em seus consultórios, como se fosse assunto proibido pelo decreto Placebo.
O que ocorreu?
Esqueceu-se que a Medicina tem aproximadamente 250.000 anos, o mesmo tempo que o Homo sapiens surgiu na Terra. E que a ciência praticada hoje no Ocidente, tem apenas 300 anos...
A Medicina sempre foi praticada, seja por pajés, sacerdotes, feiticeiros, filósofos, curiosos que se dedicavam ao aprendizado... e apesar disso, em toda sua história, ela usufruiu de grande prestígio e respeito. Um mixto de Temor e Admiração acompanhava aquele que se aventurasse no aprendizado desta Arte.
Quais interesses são tão fortes assim, capazes de inverter uma história tão bela e magnífica como a da Medicina? Apenas um. Dinheiro. Ainda as 30 moedas de prata que compraram o solo de sangue...
Tudo parece perdido? Não. É apenas a força portentosa do Tao em ação!
Novamente o Tao se mostra, e brotam por todos os lados novas correntes de pensamento, que começam a invadir os meios universitários, despertando a curiosidade e o interesse de renomados professores... Acupuntura e Homeopatia são apenas os mais importantes e magníficos exemplos de técnicas que anteriormente eram desprezadas, e que agora adquiriram respeito e reconhecimento das entidades médicas e da sociedade. A fitoterapia, embora sempre perseguida pela indústria farmacêutica, insiste em permanecer na cultura de todos os povos, e a suscitar curiosidade e pesquisas da própria indústria... Ainda bem!
Ainda que diferentes, a Medicina Ocidental e a Medicina Oriental mostraram na teoria do Tao, serem pólos de um mesmo caminho. Parecem incompátiveis? Isso é mera ilusão. Próton e elétron, embora com cargas elétricas diferentes, juntas formam um átomo. Um sem o outro são apenas partículas dispersas no Universo do microcosmo.

Jociane Neves Negrão
Médica – Especializanda em Medicina Tradicional Chinesa (Center AO)
Aluna do 2º ano de Teologia Umbandista (FTU)

Cultura Espiritual e Ecologia


A questão ambiental é uma preocupação mundial e envolve problemas como a utilização racional dos recursos esgotáveis, o controle das emissões de poluentes sólidos ou não, o efeito estufa por acúmulo de CO2, a destruição da camada de ozônio, o domínio da biodiversidade, entre outros. Existe uma relação dialética entre a cultura e o uso dos recursos naturais na medida em que nosso modo de vida interfere no meio ambiente e somos, de nossa parte, obrigados a rever nossos padrões de consumo de acordo com o impacto ambiental que produzimos. O que não parece estar evidente para todos é que as raízes espirituais da cultura também influenciam a maneira como convivemos dentro do universo e existe muita diferença de postura perante a natureza de acordo com as tradições religiosas seguidas.
Toda religião fornece uma visão de mundo aos seus adeptos. O fundamento dessa visão de mundo pode ser de ordem transcendente ou imanente, mas sempre influencia nossa postura diante da vida porque determina os valores culturais a serem seguidos e transmitidos de geração em geração. O caminho para a propagação dos valores religiosos e culturais pode ser pelos escritos sagrados, como no cânon judaico-cristão; pode ser por meio da tradição oral, como nas religiões africanas autóctones; ou um meio-termo como no budismo tibetano ou na tradição SriVidya do tantrismo shakta indiano.
O versículo 26 do primeiro capítulo do Gênesis representa a mentalidade tipicamente ocidental da cultura judaico-cristã: "E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra."
Nota-se que essa visão de mundo coloca o ser humano no centro da Criação e submete a natureza aos seus pés para servi-lo; essa percepção presente nas religiões abrâmicas deu origem aos princípios de toda cultura ocidental. A postura da ciência contemporânea que pretende dominar a natureza e modifica-la para atender aos interesses humanos parece ser tributária dessa cosmovisão antropocêntrica.
Esse talvez seja o principal problema que deveríamos enfrentar para responder às questões ambientais. Como modificar a mentalidade ocidental que ainda acredita que a natureza está aqui simplesmente para servir à raça humana?
A Hipótese de Gaia, lançada pelo britânico James Lovelock em 1969, procura modificar essa visão ocidental e entende que a Terra é um ser vivo que tem uma diversidade de habitantes de todos os reinos, assim como nosso organismo é composto por um aglutinado de individualidades celulares agindo em concerto. Infelizmente, o trabalho dos ambientalistas, naturalistas, sociedades protetoras de animais, ONG's envolvidas com a biodiversidade surtem efeito modestos e lentos.
Por outro lado, existem tradições espirituais que não deixam de compreender toda transcendência do Sagrado e que ainda reconhecem as manifestações dos princípios universais no aqui e agora, propiciando uma relação mais salutar e harmônica com a natureza.
Um exemplo paradigmático dessa postura é encontrada no Taoísmo, religião chinesa, que identifica o Tao (a essência primeira inominada) no Vazio (Wu Ji), na dualidade do Yin e Yang (Tai-Chi) e em toda a natureza (As Dez Mil Coisas). Com essa visão de mundo, se quiser realizar o Sagrado, o adepto taoísta deve estar em harmonia plena com o movimento dos Cinco Elementos e dos Oito Princípios (Pa-Kua).
A consequencia dessa atitude é demonstrada perfeitamente por Allan Watts em "O Tao da Filosofia". Se um indivíduo de mentalidade tipicamente ocidental, de ascendência judaico-cristã, deseja construir uma casa em uma montanha, o que ele faz é escolher o lugar onde quer sua construção e cortar a montanha para torná-la plana de modo a receber seu novo lar. Já um adepto taoísta assume uma atitude de respeito e "pergunta" à montanha que tipo de edificação gostaria que fosse construída sobre ela. Para os taoístas, não existe um "eu" destacado do universo, mas nós estamos para o universo assim como as ondas estão para o mar.
Demos aqui dois exemplos diametralmente opostos que generalizam posições diferentes em relação ao mundo e é claro que os ocidentais têm procurado rever suas posições, do mesmo modo que nem todos os orientais seguem os princípios de suas religiões milenares.
Nosso intuito é alertar para a influência que a tradição espiritual pode ter no modo como lidamos com as coisas aparentemente profanas, que não parecem ter nada a ver com o espiritual.
A Umbanda recebe uma variedade de heranças, tanto da tradição judaico-cristã, como de tradições mais próximas da natureza representadas pelos indígenas brasileiros e pelas nações africanas; além de influências de todo o oriente.
Qual a postura que os umbandistas querem propagar para sua descendência é algo que devemos construir desde já.

sexta-feira, 13 de março de 2009

A Teologia Umbandista contribue para o entendimento do Sagrado

As diversas tradições religiosas do planeta não deveriam ser vistas como os resquícios de uma época na qual predominava a consciência mítica e que foi superada pela ciência e pela razão. Ao contrário, o acervo representado pela cultura espiritual do planeta não aponta para um passado primitivo, mas para o futuro que desejamos de igualdade de direitos e de exercício de convivência pacífica. Portanto, o aprofundamento teórico e prático nas questões de cunho espiritual representa uma necessidade premente no momento em que enfrentamos os conflitos da sociedade pós-moderna e da era da globalização.
O planeta passa por dilemas nas esferas econômica, ambiental, social e política e a espiritualidade pode ser o paradigma que sustente as transformações requeridas para voltarmos ao equilíbrio. Por mais que vivamos o progresso tecnológico e científico, não temos sido capazes de universalizar esses bens a toda coletividade planetária. Precisamos reconhecer que os esforços das ciências e da filosofia não têm culminado na construção da justiça social. Uma das causas desse insucesso é a redução da vida ao materialismo puro da visão mecanista.
Por outro lado, aqueles que dedicam suas vidas ao desenvolvimento e propagação dos valores espirituais devem também compreender que não podemos continuar ensinando uma religiosidade desconectada do mundo real e em contradição com os achados da ciência e das novas áreas do saber humano. Devemos sim encontrar as formas de espiritualidade que sejam eficazes para conduzir o ser humano contemporâneo ao encontro do Sagrado. Podemos nos adaptar ao nosso tempo sem precisar fazer concessões da fé.
Outro aspecto a se levantar é se o surgimento de uma sociedade globalizada pode ser motivo para o desaparecimento das religiões que se encontram fundadas em valores culturais situados no tempo e no espaço. Se, de certo modo, temos que o desenraizamento típico da pós-modernidade provoca a perda de valores tradicionais e até mesmo compromete a identidade e o sentimento de pertencimento às culturas locais; encontramos aí também a possibilidade de construir uma espiritualidade mais ampla, abrangente e universalista. Basta estarmos dispostos a encarar a espiritualidade como um fenômeno maior e mais profundos que as religiões.
A proposta do Blog da Faculdade de Teologia Umbandista é facilitar os diálogos entre ciência, filosofia, religião e arte. Também espera discutir a fundo as várias tradições religiosas do planeta na expectativa de desfazer os preconceitos e fertilizar o campo das idéias com os ensinamentos dos grandes espíritos que já passaram pelo planeta.
Por fim, esperamos que ampliando a compreensão sobre todas as religiões, avancemos no entendimento do Sagrado em si e possamos enriquecer a cultura dos umbandistas e de todas aqueles que buscam a paz e a convergência.