A questão ambiental é uma preocupação mundial e envolve problemas como a utilização racional dos recursos esgotáveis, o controle das emissões de poluentes sólidos ou não, o efeito estufa por acúmulo de CO2, a destruição da camada de ozônio, o domínio da biodiversidade, entre outros. Existe uma relação dialética entre a cultura e o uso dos recursos naturais na medida em que nosso modo de vida interfere no meio ambiente e somos, de nossa parte, obrigados a rever nossos padrões de consumo de acordo com o impacto ambiental que produzimos. O que não parece estar evidente para todos é que as raízes espirituais da cultura também influenciam a maneira como convivemos dentro do universo e existe muita diferença de postura perante a natureza de acordo com as tradições religiosas seguidas.
Toda religião fornece uma visão de mundo aos seus adeptos. O fundamento dessa visão de mundo pode ser de ordem transcendente ou imanente, mas sempre influencia nossa postura diante da vida porque determina os valores culturais a serem seguidos e transmitidos de geração em geração. O caminho para a propagação dos valores religiosos e culturais pode ser pelos escritos sagrados, como no cânon judaico-cristão; pode ser por meio da tradição oral, como nas religiões africanas autóctones; ou um meio-termo como no budismo tibetano ou na tradição SriVidya do tantrismo shakta indiano.
O versículo 26 do primeiro capítulo do Gênesis representa a mentalidade tipicamente ocidental da cultura judaico-cristã: "E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra."
Nota-se que essa visão de mundo coloca o ser humano no centro da Criação e submete a natureza aos seus pés para servi-lo; essa percepção presente nas religiões abrâmicas deu origem aos princípios de toda cultura ocidental. A postura da ciência contemporânea que pretende dominar a natureza e modifica-la para atender aos interesses humanos parece ser tributária dessa cosmovisão antropocêntrica.
Esse talvez seja o principal problema que deveríamos enfrentar para responder às questões ambientais. Como modificar a mentalidade ocidental que ainda acredita que a natureza está aqui simplesmente para servir à raça humana?
A Hipótese de Gaia, lançada pelo britânico James Lovelock em 1969, procura modificar essa visão ocidental e entende que a Terra é um ser vivo que tem uma diversidade de habitantes de todos os reinos, assim como nosso organismo é composto por um aglutinado de individualidades celulares agindo em concerto. Infelizmente, o trabalho dos ambientalistas, naturalistas, sociedades protetoras de animais, ONG's envolvidas com a biodiversidade surtem efeito modestos e lentos.
Por outro lado, existem tradições espirituais que não deixam de compreender toda transcendência do Sagrado e que ainda reconhecem as manifestações dos princípios universais no aqui e agora, propiciando uma relação mais salutar e harmônica com a natureza.
Um exemplo paradigmático dessa postura é encontrada no Taoísmo, religião chinesa, que identifica o Tao (a essência primeira inominada) no Vazio (Wu Ji), na dualidade do Yin e Yang (Tai-Chi) e em toda a natureza (As Dez Mil Coisas). Com essa visão de mundo, se quiser realizar o Sagrado, o adepto taoísta deve estar em harmonia plena com o movimento dos Cinco Elementos e dos Oito Princípios (Pa-Kua).
A consequencia dessa atitude é demonstrada perfeitamente por Allan Watts em "O Tao da Filosofia". Se um indivíduo de mentalidade tipicamente ocidental, de ascendência judaico-cristã, deseja construir uma casa em uma montanha, o que ele faz é escolher o lugar onde quer sua construção e cortar a montanha para torná-la plana de modo a receber seu novo lar. Já um adepto taoísta assume uma atitude de respeito e "pergunta" à montanha que tipo de edificação gostaria que fosse construída sobre ela. Para os taoístas, não existe um "eu" destacado do universo, mas nós estamos para o universo assim como as ondas estão para o mar.
Demos aqui dois exemplos diametralmente opostos que generalizam posições diferentes em relação ao mundo e é claro que os ocidentais têm procurado rever suas posições, do mesmo modo que nem todos os orientais seguem os princípios de suas religiões milenares.
Nosso intuito é alertar para a influência que a tradição espiritual pode ter no modo como lidamos com as coisas aparentemente profanas, que não parecem ter nada a ver com o espiritual.
A Umbanda recebe uma variedade de heranças, tanto da tradição judaico-cristã, como de tradições mais próximas da natureza representadas pelos indígenas brasileiros e pelas nações africanas; além de influências de todo o oriente.
Qual a postura que os umbandistas querem propagar para sua descendência é algo que devemos construir desde já.
A postagem é muito interessante e merece profundas reflexões.
ResponderExcluirLembremos das vídeo-aulas, onde Pai Rivas comenta a relação direta entre a Teologia Umbandista e a Ecosofia, sendo esta última definida pelo pensador marxista francês Félix Guattari como a relação do ambiente físico, o homem e a sociedade que ele está inserido.
Talvez pelas múltiplas influências que a Umbanda recebeu em seu corpo epistemológico, encontramos em sua doutrina um ponto optimum de equilibrio entre preservação e utilização da natureza.
Olá, João!
ResponderExcluirObrigado por sua contribuição. O tema merece um aprofundamento teórico e gostaria que você contribuisse mais. Se desejar apresentar os conceitos de ecosofia, acho que também seria muito interessante e enriquecedor.
Quanto à questão de que a Umbanda tem um ponto ótimo de equilíbrio, gostaria de fazer uma distinção entre a Umbanda e os umbandistas e refletir sobre isso.
A Umbanda é uma religião que admite uma imensa variedade de concepções, rituais e práticas nos múltiplos grupos e escolas e, portanto, apresenta também uma cosmovisão variada. Assim, existem desde aqueles que têm uma visão puramente espiritual (e às vezes desdenham da natureza), até os grupos que identificam os Orixás com as forças da natureza física. De um extremo a outro, teremos um meio-termo que poderia ser o de compreender todo o universo físico como uma manifestação indissociável da essência espiritual e aí teremos o ponto ótimo de equilíbrio. Contudo, o meio-termo entre os extremos de visões existentes na Umbanda, não significa que seja também a média de entendimento dos umbandistas. Não podemos dizer que a média dos umbandistas se situa na mediana das visões apresentadas, tampouco podemos afirmar que como a Umbanda tem todas as visões possíveis, os umbandistas teriam, cada um, a somatória dessas visões.
É preciso identificar o que pensam, na prática os umbandistas. Dentro do espectro das cosmovisões existentes e seus respectivos entendimentos do que é a natureza e como trata-la, precisamos ver como se distribuem os seus adeptos, pois sequer sabemos se a distribuição é simétrica ou se temos uma variância unimodal, ou bimodal, ou seja, a moda de frequencia. Lembrando aqui que a "moda" em estatística descritiva representa o valor mais frequente em uma dada distribuição. (ex: há doenças que têm sua maior incidência na infância e na velhice; se somarmos as idades dos pacientes teremos uma média que não corresponde às faixas acometidas por essas doenças cuja distribuição é bimodal).
Acho que necessitamos de um trabalho de campo para saber o que pensam os umbandistas e um outro para levar um enriquecimento desse pensamento por meio da discussão e do estudo. A FTU tem procurdo atuar nessas duas frentes: compreender a realidade atual dos umbandistas e fornecer elementos para que os próprios umbandistas aprofundem suas visões sobre a Umbanda.
Saravá,
Roger Soares
Olá, Roger!
ResponderExcluirEcosofia significa Filosofia Ecológica e foi cunhado, como disse inicialmente, pelo pensador marxista francês Félix Guattari. A Ecosofia procura compreender não só o Meio Ambiente, mas o Homem e a Sociedade que ele está inserido.
Ao mesmo tempo os profundos conceitos da Teologia Umbandista apresentam uma visão interdependente entre a Cosmogênese, a Planetogênese e a Antropogênese. Sendo assim, somos regidos por ciclos e ritmos imprimidos pelo Poder Volitivo do Orixá na substância escura desde nossa primeira manifestação no Universo Astral. O que se repetiu no planeta que habitamos e está expresso analogicamente na formação dos nossos corpos Mental, Astral e Físico.
Dentro deste corpo de conhecimento, respeitar a natureza, preservá-la e desenvolver novas formas de relacionamento com Ela está intrinsecamente ligado ao modo como nos enxergamos. A Ecosofia busca compreender o Homem dentro da Sociedade e como ele se relaciona com a Natureza. A Umbanda preconiza que o Espírito, responsável pela Vida nos diversos níveis da matéria, se relaciona no Mundo Natural com a Natureza e com o Homem e no Mundo Sobrenatural com os Orixás e os Ancestrais Ilustres.
A Umbanda é ecosófica em sua Essência e a Ecosofia encontra elementos metafísicos importantes na Teologia Umbandista.
Quanto à segunda parte de seu email, diferenciar Umbanda e umbandista, concordo plenamente. O nosso movimento religioso possui diferentes formas de expressão que compreendem abordagens utilitaristas da Natureza (certamente como maiores influências das religiões abrâmicas) e visões com maior teor de interdependência com a mesma(recebendo maiores influências ameríndias e africanas). Talvez encontramos aqui uma importante contribuição da FTU quando demonstra estas pontes de conexão entre as diversas linguagens e como podemos construir uma solução de síntese que melhore urgentemente a realidade da nossa Natureza.
Afinal:
Kosi Ewe Kosi Orisa
(Sem folha não há Orixá)